Reportagem Jornal Pioneiro "AGOSTO DE TODOS OS GOSTOS"


Agosto de todos os gostos
Evitar casamentos é apenas uma das tantas superstições que envolvem o mês do cachorro louco


Basta o mês de julho chegar ao fim para com ele, começarem a surgir as angústias de seu sucessor. Mês do desgosto ou do cachorro louco, agosto surge repleto de simbologias e crendices populares que o rebaixam ao período mais azarento do ano. Pelo menos para quem acredita em destino, má sorte ou coincidência.


Quando o assunto em questão é uma vida a dois, por exemplo, muitos preferem não arriscar. Na dúvida, evitam marcar casamentos neste mês. Em Caxias do Sul, a Catedral Diocesana, a Igreja Imaculada Conceição, a Igreja Nossa Senhora de Lourdes e a Capela Santa Francisca Xavier Cabrini, junto ao Campus 8 da UCS, não têm nenhum casamento agendado para o mês. Na Igreja de São Pelegrino serão realizados apenas dois, ambos dia 27. Em termos de comparação, para novembro estão agendados nada menos do que 47 enlaces (veja quadro à página 6).


Superstições, no entanto, não têm espaço na vida do casal Lisiane Panassol da Rocha, 28 anos, e Cristofer Andreatta Oliveira, 25. Com casamento marcado inicialmente para 19 de novembro – por uma predileção de Lisiane pelo mês –, os noivos precisaram antecipar a boda para agosto. Lisiane ficou grávida e, como já tinha o vestido pronto, confeccionado sob medida pela sogra, não quis perder a peça. A única condição imposta por ela, no entanto, era de conseguir casar na mesma igreja e festejar no mesmo salão escolhidos.


– Consegui remarcar tudo – conta a noiva, que começou a planejar a cerimônia em março, semanas depois de reatar o romance.


Apesar da correria, a opção por agosto deu um pouco mais de tranquilidade ao casal. Eles são um dos dois únicos noivos da Igreja de São Pelegrino neste mês, com cerimônia marcada para o próximo dia 27. A parte mais complicada foi alterar a data nos convites já impressos, bem como entregá-los a tempo aos 230 convidados, mas deu tudo certo.


Será por agosto ser o mês dos maus presságios?


– Não me ligo nessas coisas. O importante é que vamos nos casar e está tudo bem com o bebê – conta ela, que espera Pedro Henrique para fevereiro de 2012.


Até a surpresa sobre o vestido da noiva não é um mistério para eles. Como


Como a mãe de Cristofer costurava na sala de casa, onde ele ainda mora, o noivo acabou enxergando o modelo.


– Seria mentira dizer que não vi, mas não fiquei prestando muita atenção – despista.


Há, no entanto, uma superstição que Lisiane não abre mão: entrar na casa nova carregada no colo, vestida de noiva.


– Quero só ver fazer isso de madrugada! Não vou carregar só ela, mas os dois (ela e o bebê)! – empolga-se Oliveira.


E não é que deu certo?


Frei Jaime Bettega, pároco da Igreja Imaculada Conceição, afirma que, historicamente, não existe nada registrado em relação ao pouco crédito que o mês de agosto desperta. Mas em seus 20 anos de atuação nos Capuchinhos, conta ter celebrado pouquíssimos casamentos nessa época.


– O que mais se ouve quando noivas e noivos procuram agendar uma data é: ‘agosto não!’ – relata.


O sacerdote, obviamente, já celebrou casamentos em agosto e fez questão de parabenizar os casais.


– Até dei os cumprimentos para os noivos, que não se deixaram influenciar e escolheram o mês para realizar o sonho de uma vida a dois. Lembro, também, de alguns casais que fizeram bodas. Eles afirmavam e riam: ‘Casamos em agosto e olha como deu certo!’ – recorda.


As mais de seis décadas de união de Vicensino Pellizzari e Santina Tessari Pellizzari servem para desfazer o mito da má sorte em matrimônios realizados durante o mês do cachorro louco. Eles casaram em 12 de agosto de 1948, em Nova Bassano, e quase celebraram 63 anos de feliz união. Vicensino faleceu em julho passado e deixou como legado uma família tipicamente italiana, grande e unida, com 12 filhos, 30 netos e 16 bisnetos.


– Não houve casal mais perfeito, nem história de amor mais bonita – orgulha-se um dos filhos do casal, o empresário Aldair Pellizzari, 54 anos.


Ele recorda que os pais construíram a vida com dificuldade, fé e companheirismo. Saíram da cidade natal, foram até Paim Filho e, mais tarde, para Nova Prata do Iguaçu, no Paraná.


– Trabalharam na lavoura, precisaram derrubar o mato para erguer a casinha onde viviam, não tinham hospitais por perto, nem infraestrutura. Atuaram na comunidade e ajudaram a construir a primeira igreja do lugar – recorda o filho.


A família permaneceu unida e, na década de 1980, Aldair veio para Caxias – posteriormente, trouxe quase todos os irmãos e os pais para morar na Serra. O empresário não esconde a alegria quando fala do exemplo deixado pelos genitores. Nos últimos dias de vida do pai, que estava com o fêmur fraturado, presenciou uma das mais bonitas declarações de afeto de um casal. Santina não quis dormir na cama de solteiro providenciada para dar mais conforto a ela. Preferiu dividir a cama de casal com o marido, mesmo que ficasse apertada em um canto.


– Ela contou para minha irmã que prometeu, no dia do casamento, não dormir um dia sequer separada dele. Foi o que fez. É uma história de amor que daria para fazer um filme – lembra.


Cães ‘mucho lôcos’


A artista plástica Viviane Pasqual, 44, que empresta o traço para ilustrações peculiares como a da capa desta edição do Almanaque, tem cachorros “mucho lôcos” sempre presentes em sua obra. Ao lado do jornalista Nivaldo Pereira, publicou Vida Cachorra, em 2004. No minilivreto, misto de pequenas crônicas e ilustrações, aparecem variações malucas e bem-humoradas de cães.


– Não sou uma virtuose do desenho, então me agarro ao que me dá mais liberdade. E fazer um cão levando tiro, andando de skate me dá essa sensação – diz, modesta.


Dona de dois mascotes, o golden retriever Ziggy e a vira-lata Xuxa, Vivi busca inspiração para desenhar com a dupla que tem em casa. Pensa um pouco e confessa: não sabe dizer se agosto é o mês do cachorro louco ou do desgosto. Aliás, sabe sim. Com trabalho exposto na Casa M da Bienal, em Porto Alegre, até 25 de agosto, e convite de uma professora de mestrado para participar de uma aula sobre as frases que escreve nas telas, a artista celebra o período de boas vibrações pessoais e profissionais:


– Para mim até está sendo um mês de sorte.


Também o é para o deputado estadual Alceu Barbosa Velho, que completa 54 anos neste sábado, 13 de agosto. Ele garante não ter motivos para reclamar da data:


– Isso não passa de invenção, criação e fantasia. Sou um homem feliz e não posso me queixar.


Quando o dia 13 cai em uma sexta-feira, como ocorreu no ano passado, as pessoas até comentam mais, recomendam cuidados ao aniversariante. Velho diz que se diverte, agradece e não dá bola para isso.


Já a cerimonialista Márcia Duarte nunca fez casamentos em agosto. As festas mais frequentes deste mês são as formaturas. Márcia até brinca que o pessoal do setor costuma oferecer um agrado para quem decidir optar pelo oitavo mês do ano.


– A gente ri e diz que vai começar a oferecer 50% de desconto em agosto – relata.


E é um mês de azar?


– Azar para quem trabalha com festas – brinca.


Virtude para enfrentar


O colunista social João Pulita reitera a opinião de que as celebrações diminuem no mês de agosto. Basta olhar a coluna social e ver que fotos de casamentos ficam bem mais escassas. Ele mesmo sugere que as pessoas promovam festividades em outros meses.


– Aos que puderem, aconselho que fujam desse mês. Sugiro também que as pessoas aproveitem as luas cheia e crescente, que trazem promessas de energias positivas – diz.


Esse pensameneto não surgiu recentemente. Coordenador do curso de Filosofia da Universidade de Caxias do Sul (UCS), Vanderlei Carbonara, explica que destino e superstições são temas recorrentes na filosofia. Os gregos já pensavam sobre eles há mais de 2,5 mil anos.


– As pessoas atribuem a fatos externos o que não sabem trabalhar internamente, o que ameaça. É falta de domínio do próprio eu – diz.


Sendo assim, é mais fácil culpar o azar provocado pelo mês do que ser autodeterminado e não se deixar abalar pela crença da má sorte. Os gregos acreditavam em presságios e em destino. O que o Oráculo dizia, seria cumprido. Apesar disso, explica o professor, o homem grego não se resignava, enfrentava o destino. Os mitos de Édipo e Medeia são exemplos de como a força do sobrenatural retratada na tragédia grega se sobrepõe ao indivíduo.


– Ele sabe que não vencerá o destino, mas assume virtudes como coragem e honra e acaba se tornando um ícone social – afirma o filósofo.


O homem contemporâneo, porém, pensa diferente.


– Não se vê esse enfrentamento, há uma resignação sobre algo mais forte do que ele. Esse homem se esconde para não ter prejuízo à própria individualidade – acredita.


Definitivo foi mesmo o escritor gaúcho Caio Fernando Abreu na crônica Sugestões Para Atravessar Agosto, reproduzida a seguir. O texto foi publicado originalmente no dia 6 de agosto de 1995, no jornal O Estado de S. Paulo, pouco antes de o autor de Morangos Mofados falecer. Nas palavras de Caio, “para atravessar agosto é preciso, principalmente, não se deter demais no tema.”
TRÍSSIA ORDOVÁS SARTORI







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